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OLIVA. MINHA MÃE. MAIS UM AMOR QUE PARTIU.

  • Foto do escritor: Ana Miguel
    Ana Miguel
  • 3 de jun.
  • 3 min de leitura

“De repente você sumiu de todas as vidas que tocou.”— Neil Peart


Sempre que acendo uma vela e pego o meu rosário, volto à infância: minha mãe catequista, eu e meu irmão mais novo correndo pela igreja enquanto ela ensinava. A fé dela era viva, íntima, quase palpável. Costumávamos dizer que ela tinha “telefone vermelho” com o Céu.


Na última Quaresma, senti no coração uma espécie de chamado e passei a rezar o rosário às 4h da manhã com o Frei Gilson. Foi naquele silêncio que mais senti sua presença — santa, iluminada e eterna. Foi onde me senti conectada com minha mãe e com Jesus. Renovei minha fé e meu amor por ela!


Ela perdeu um filho há 10 anos. Depois, há 4 anos e meio, perdeu o grande amor da sua vida — meu pai — por COVID. Ela estava hospitalizada, com COVID também e insuficiência renal grave, quando recebeu a notícia por mim. Não se despediu do seu amor. O grito de dor que deu ainda ecoa e dói em mim.


Saiu daquele hospital com uma sentença: dois a três anos de vida fazendo hemodiálise. Montamos uma rede de apoio, com cuidadoras e revezamentos de fim de semana para que ela não se sentisse tão sozinha depois de tantas perdas. A doença foi dura, com dores físicas e emocionais. Mas ela, com resiliência e muita fé, transformou sofrimento em afeto. Virou a “rainha da hemodiálise”, fez amigos, ganhou festas e bolo das enfermeiras.


Mesmo frágil, nunca perdeu a vaidade: lencinhos no pescoço, cabelo arrumado, cheiro bom. Hospitalizada, sua primeira exigência era sempre: "me maquia, minha filha", “tira uma foto e manda pros guris pra verem que eu estou bonita”.


A Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes em seu livro “Pra toda a vida valer a pena” nos diz que:


“Cada perda existencial tem pelo menos três padrões de sentido.

- O primeiro diz respeito ao PERDÃO, a si mesmo e ao outro;

- O segundo é saber que o que foi vivido de bom naquela realidade

 NÃO SERÁ ESQUECIDO;

- O terceiro é A CERTEZA DE QUE FIZEMOS A DIFERENÇA naquele tempo que termina para nossa história, deixando um legado, uma marca que transformou aquela pessoa ou aquela realidade que agora ficará de fora da sua vida.”

 

Nossa relação nunca foi fácil. Ela era forte, de opiniões firmes. Trabalhou desde jovem, foi professora aos 17, rompeu noivado com um “bom partido” para casar por amor com o “filho do leiteiro”, que na verdade não era “leiteiro” e se fosse seria digno como qualquer outra profissão, no entanto, precisamos lembrar que estamos falando da década de 50, onde padrões da sociedade eram outros, mas isso dá assunto para outro texto. Minha mãe queria criar uma filha forte — e conseguiu.


Por muitos anos, tivemos conflitos. Mas o tempo da “sentença” nos uniu de uma forma indescritível. Passamos finais de semana sozinhas, tomamos chá da tarde, saímos para ver o mar, rimos muito, choramos de saudade, nos confessamos, nos cuidamos, brigamos.


Eu decidi fazer tudo por ela. Cortei seu cabelo no melhor salão, levei para tomar o melhor chocolate quente, deixei comer cheesecake, mesmo fora da dieta. Cuidei de sua saúde, mas dei-lhe pequenos prazeres, ela curtiu a minha família, meu filho, meu marido e minha casa que ela adorava, lá dormia até 10h30min da manhã aos sábados em que estava comigo e acordava feliz dizendo: Nossa nem ouvi nada, dormi tão bem! Coisa boa!


Vivemos uma relação de amor real, imperfeita e profundamente transformadora. Rezamos juntas, chorei ao vê-la fraca, mas vi nela uma mulher imensa, gigante, que nunca reclamou da dor física e nem da dor da alma. Dei banho, fiz escova em seu cabelo, montei mesas lindas de chá para ela e suas visitas, viajamos, plantamos uma árvore, ela me deu conselhos, benzimentos e bençãos.


A médica nos deu de 2 a 3 anos. Ela resistiu por 4. Quatro anos que mudaram minha vida para sempre.

O luto pela sua partida está sendo ainda mais difícil, porque ressignificamos nossa relação e eu ganhei a mãe que eu sempre quis ter. E quando eu a tive ela teve que ir!


“Quando aceitamos a morte, a vida deixa de

 ser um medo e passa a ser um presente.”— Clarissa Pinkola Estés


Esses 4 anos foram um presente. E que presente!


Fiquem bem! Um abraço.

3 則留言


Raquel Viégas
Raquel Viégas
6月05日

Que lindo, tia 🥹

Ela era maravilhosa. Foi forte e corajosa até a partida ❤️


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mirreleb
6月03日

Que espetáculo! Emocionante! O amor! Ah! O amor….

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Ana Miguel
Ana Miguel
6月03日
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Obrigada querida!😍

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MiGensas0325_118_em_alta_edited.jpg

Olá, que bom ver você por aqui!

Espero que você curta comigo essa travessia! Vamos juntos ajustar nossas velas e curtir.

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